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Conclusões depois de terminar a faculdade de desenvolvimento de software

Depois de 6 anos, finalmente terminei minha faculdade em análise e desenvolvimento de sistemas e isso me trouxe muitas reflexões que gostaria de compartilhar.

Depois de 6 anos, finalmente terminei minha faculdade em análise e desenvolvimento de sistemas e isso me trouxe muitas reflexões que gostaria de compartilhar.

Terminar a faculdade pode não parecer grande coisa para algumas pessoas, mas, no meu caso, eu tem muita história envolvida. Entrar no ensino superior, tanto no meu caso quanto de muita gente periférica, pode ser uma experiência tardia e desesperada. Não que exista o momento certo de você entrar no ensino superior, mas é como somos ensinados a acreditar que “sem faculdade, não vai ser alguém na vida”.

Este não é um texto motivacional estilo conversa de coach, muito menos postagem emocionante sobre carreira para o LinkedIn. É uma reflexão pessoal sobre esse ciclo que se encerrou na minha vida em 2022. Como e quando começou, porque começou, como foi e agora, o final.

Antes de tudo preciso te contar uma longa história de como entrei na área de tecnologia, pois eu comecei o meu curso depois de 3 anos trabalhando formalmente como desenvolvedor de software e 8 anos depois que eu já ganhava dinheiro com informática.

Portanto, se quiser saber somente sobre a minha conclusão sobre a faculdade, pode pular este artigo e ir direto para os vídeos do meu canal que estão linkados na introdução. Mas, se quiser saber todo o meu contexto, vem comigo!

Introdução

Na área de desenvolvimento de software existe uma velha discussão “vale a pena fazer uma faculdade para trabalhar com programação?”. A grande verdade é que para entrar no mercado de desenvolvimento de software existem várias formas, uma delas é através do método formal de cursar a graduação, fazer estágio, etc. Mas nem de longe cursar uma graduação é o único modo de se conseguir o sucesso profissional. Principalmente em TI.

Uma curiosidade: nunca, em minha carreira profissional, me questionaram sobre a faculdade em entrevistas de emprego para programador. E olha que eu já fiz centenas de entrevistas.

Sintetizei um pouco sobre o que penso sobre o assunto no meu canal no YouTube neste vídeo “Qual a faculdade que eu fiz para trabalhar com programação” e neste outro “Vale a pena fazer faculdade para trabalhar com programação?”. Também deixei informações sobre o assunto no meu livro, O Universo da Programação, livro este que, inclusive, lancei antes de terminar a graduação.

Como foi meu primeiro contato com computadores

Em 2007 tive o meu primeiro contato com computadores. Diferente de uma grande maioria no nosso mercado, eu não tinha 5 ou 8 anos quando utilizei um computador pela primeira vez. Já tinha 16 anos, já trabalhava informalmente e já tinha responsabilidades pessoais. O computador apareceu na minha vida por conta de um programa social realizado no CRAS (Centro de Referência em Assistência Social) da cidade onde eu morava.

Era um curso de introdução a informática. Seria o meu primeiro contato com Linux. Para redução de custo, o curso era ministrado com Kurumin Linux. A pessoa que nos ensinava era um aluno de ciências da computação e, como algumas pessoas (incluindo eu) ficavam treinando o que aprenderam nos computadores depois do final da aula, ele apresentou algumas coisas diferentes que dá para fazer por ali. Como, por exemplo, fazer backup de um servidor. Quando ele nos mostrou um script que conectava com um servidor e copiava arquivos para o seu notebook de trabalho, nós piramos. Vimos a tela preta de um emulador de terminal pela primeira vez na vida! É lógico que viria a pergunta: “irmão, como faz pra trabalhar com isso?“.

Ao contrário de pessoas que tiveram o privilégio de ter o computador em casa e aprendem programação por ser “divertido”, pessoas pobres enxergam na tecnologia oportunidades de emprego. Trabalhar com uma coisa que parece ser legal e diferente do que o que fazemos normalmente na quebrada. Na periferia somos empurrados para cargos que nem sempre temos a opção de abandonar.

A resposta do professor foi desanimadora para mim. Ele respondeu que, para trabalhar com programação, seria necessário fazer uma faculdade de ciências da computação ou sistemas de informação. Eu nunca fui um bom aluno na escola, tanto em comportamento quanto por notas. Desde pequeno tenho TAG (transtorno de ansiedade generalizada) que, só em 2019, fiquei sabendo que era o que me atrapalha nas provas. Eu amo estudar, mas detesto fazer provas. Já reprovei tantas vezes em avaliações sobre assuntos dos quais eu dou aulas, como JavaScript, Node.js e frontend no geral, que perdi a conta. Pra mim não seria um caminho a trilhar, por isso, eu desisti da missão de trabalhar com tecnologia.

Descobrindo a internet

Segui a minha vida normalmente, não tinha porque esquentar a cabeça com computação, se não queria fazer uma faculdade e, sem isso, eu não entraria na área segundo meu professor. Porém isso estava prestes a mudar.

Meu irmão, em uma visita, me pediu que eu lhe adicionasse no Orkut (coisa que eu não fazia ideia alguma do que era), pois meus familiares gostariam de saber novidades sobre mim e manter o contato, mesmo a distancia. Na época eu morava no interior de São Paulo. Para criar minha conta no Orkut, meu irmão me levou a uma Lan House. E isso mudou minha vida. Eu não sabia que dava para pagar 50 centavos e utilizar um computador por uma hora inteira (naquela época). Agora, além do conhecimento básico em informática e Linux, eu tinha acesso a internet. Criei meu primeiro email (Hotmail) e minha conta naquela rede social.

Foi impressionante como isso transformou muito minha vida. Eu ia para a lan house pelo menos duas vezes por semana (2 horas de internet por semana era muita coisa na vida de um favelado do interior). Um dia eu percebi que as pessoas estavam utilizando os computadores não somente para se conectar com seus amigos e familiares distantes, mas também para pesquisar sobre assuntos que lhes interessavam, fazer trabalhos escolares, ler notícias e aprender coisas. É a partir desse momento que a tecnologia iria se tornar algo muito mais valioso na minha vida.

Descobrindo as comunidades de tecnologia

Mesmo decepcionado com a ideia que me foi apresentada sobre a necessidade de ter uma graduação para trabalhar com computação, eu gostei muito dos computadores. Tive muito interesse em descobrir como essas coisas funcionam e, a partir de agora, sabia que dava para descobrir coisas utilizando a internet. Isso era mais barato do que comprar livros, revistas ou cursos e foi o que possibilitou meu acesso ao conhecimento. Era ainda mais barato quando o conteúdo vinha de graça através da pirataria.

Foi então que eu conheci o site Clube do Hardware, um dos fóruns sobre tecnologia mais antigos que existem. Através desse site aprendi a montar e desmontar, trocar peças, arrumar computadores e resolver problemas de sistemas operacionais, com isso, por volta de 2008, eu comecei a ganhar dinheiro com informática.

O detalhe sobre minha corrida é que meu primeiro computador só veio em 2010. Para fazer manutenção de computadores, eu imprimia as páginas do Clube do Hardware e estudava em casa. Para resolver os problemas dos meus “clientes”, consultava essas páginas. Assim como fazemos com o Google, mas impresso e guardado em uma pasta catálogo (aquelas pastas pretas com plástico dentro), como faziam os nossos ancestrais da idade média.

Enfim, eu já conseguia ganhar dinheiro com tecnologia, mas eu queria aprender mais, evoluir como profissional. No próprio fórum eu fui apresentado a comunidade Ubuntu Brasil, na época um grupo discussão por email, pois, para ser um bom profissional de hardware, eu precisaria aprender Linux para trabalhar como administrador de sistemas no futuro. A filosofia do software livre me ganhou e eu comecei a viciar nisso. Entrei em mais comunidades e conheci muitas pessoas e, em algum momento, alguém me apresentou o PHP.

Naquele momento eu não tive interesse em aprender a programar. Pra mim não faria sentido aprender isso se eu não conseguiria trabalhar nesta área, mas como técnico em informática eu já começava a ganhar minha vida. Naquele momento, não segui com os estudos em PHP, mas programar era algo que ficava passando na minha cabeça de tempos em tempos, pois foi o que me chamou a atenção naquele dia em que nosso professor apresentou o Bash Script.

Lan Houses, Tibia, bots, segurança da informação e programação

Por alguns anos, continuei levando minha vida trabalhando em vários empregos e fazendo bico como técnico em informática (se você nasceu e sempre viveu na classe média, deve conhecer bico como freelance). Em um momento precisamos voltar do interior para a região metropolitana de São Paulo, onde nasci. E, olha que legal, meu vizinho de infância tinha uma lan house!

Meu vício em internet só crescia, eu continuava utilizando muito o Orkut, MSN e fazer pesquisas na internet para aprender sobre tudo. Conheci a área de segurança da informação e comecei a investir um tempo nisso quando comecei a remover vírus do Windows sem precisar formatar o computador das pessoas. Estudei sobre redes, ataques, defesa e um pouco de forense para entender como deixar os computadores de minha clientela mais seguros. Esse conhecimento seria destaque em uma futura entrevista de emprego onde eu trabalharia em uma das maiores empresas de tecnologia da época, a HP.

Como eu vivia na lan house, percebi que uma galera jogava um joguinho tosco com gráficos horríveis (mesmo para a época) e sem som, mas de vez em quando começava uma gritaria danada “PK! PK! THAIS! CORRE! AJUDA INFERNO! PK! PK!” e depois vinha a felicidade do povo, geral se cumprimentando, deu tudo certo. Eu não entendia nada, mas o jogo fazia essa galera se emocionar tanto que me interessei em conhecer. Foi assim que eu entrei no Tibia e, assim como acontece no editor de textos Vim, não conseguir mais sair. Jogo Tibia até hoje.

Viciado em Tibia eu não passava mais somente uma ou duas horas na lan house, passava o dia inteiro. Isso me trouxe conexões muito legais e, se você duvida disso, leia esta matéria na CNN onde dei meu depoimento sobre o jogo: Como Tibia, um jogo alemão de 25 anos, move paixões brasileiras até hoje.

Enfim, no Tibia, existiam meios de ganhar vantagens no jogo utilizando robozinhos para fazer o trabalho chato, os famosos Bots. Utilizar bots nos livrava um tempo imenso. Mas, para que esses bots funcionassem ainda melhores, era necessário baixar scripts prontos da internet e colocar para rodar com o seu personagem. Pra mim isso era um perigo imenso. Lembra que eu aprendi sobre segurança da informação? Eu passava algumas horas do dia hackeando pessoas, inclusive neste jogo. Eu não queria arriscar ser “ownado” por causa de um jogo.

A solução para este receio era aprender a programar e escrever meus próprios scripts em Lua. Finalmente eu fui obrigado a aprender programação de fato. E logo as comunidades iriam me ajudar. No próprio Orkut, procurei comunidades sobre o tema para pedir dicas. Consegui excelentes sugestões, indicação de conteúdo e muito apoio.

Como um resumo muito resumido, foi assim que eu aprendi a programar, em 2010, 3 anos depois do meu primeiro contato com um computador. Até comecei a pensar que isso poderia se tornar uma profissão. Mas programar não era a garantia do emprego como programador, pois, na minha cabeça, a faculdade era o mais importante para entrar nessa área.

Eu estava bem frustrado, pois quanto mais eu aprendia, mais eu queria fazer aquilo o dia inteiro. A única maneira de codificar o dia inteiro seria trabalhando com isso e eu não tinha chances. As comunidades me salvaram mais uma vez. Algumas pessoas me convenceram que daria para entrar nessa área sem graduação depois de muita conversa. Assumi isso como um desafio pessoal.

Meu primeiro emprego formal em tecnologia

Um dia, indo embora da lan house, encontrei um amigo da escola que disse que realmente estava atrás de mim. Ele procurava alguém com conhecimento avançado em informática para trabalhar em seu lugar como técnico e analista de suporte em uma pequena empresa de bairro. No outro dia eu estava fazendo a minha primeira entrevista de emprego para trabalhar formalmente com o que eu gosto.

Trabalhar na WL Informática era muito bom. 15 minutos de bicicleta da minha casa, voltava para almoçar com minha mãe, e, quando fiz a entrevista, recebi a primeira oportunidade de mexer com PHP em um grande software rodando em centenas de clientes. Entre uma manutenção e outra, suporte técnico ao cliente do ERP da empresa e sessões de brincadeiras com a Belinha (a cachorrinha da minha patroa) eu fuçava em códigos PHP, queries SQL no MySQL e quebrava a cabeça com servidores web, principalmente o Apache. Quanto mais eu aprendia, mais eu queria aprender. Eu não via a hora de abandonar a manutenção de computadores e modelar sistemas o dia inteiro.

Meu patrão me passava várias dicas de programação. Me compartilhou seus livros e me incentivou a estudar sobre o assunto. Assim eu me tornaria programador para a WL e o ajudaria a evoluir o sistema da empresa. Dentre cursos baixados no uTorrent, apostilas da Caelum e livros da série Use a Cabeça, aprendi de fato a desenvolver software. Agora, mais do que nunca, eu acreditei que poderia trabalhar com isso. Se não fosse em uma empresa, eu mesmo abriria uma, assim como meu patrão.

Migrando para desenvolvimento de software

Não demorou muito para que uma empresa grande entrasse em contato comigo. Eu tinha curriculum cadastrado em um monte de sites de emprego. Quando recebi a ligação da HP, minha maior felicidade não era o fato de que tinha plano de saúde e fretado, a missão de vida do periférico, mas que existia a possibilidade de migrar 100% para desenvolvimento de software, segundo a pessoa que me recrutou.

Trabalhei lá por quase dois anos, mas descobri que atuar como programador seria somente na filial de Alphaville, que ficava a 4 horas da minha casa. Seria impossível acontecer essa migração. Mas eu já me sentia confiante em atuar como desenvolvedor, por isso abandonei a empresa para procurar empregos diretamente nessa área. Meu supervisor não acreditou quando falei que estava saindo da empresa para fazer bicos como web master (antigo nome para backend developer ou software engineer).

Além de começar a atuar como desenvolvedor para clientes que consegui através do Facebook (isso mesmo, outra rede social), mandei mensagem para várias agências de publicidade da região do ABC em São Paulo através dos seus formulários de contato. Algo como “estou iniciando como programador web e gostaria de uma oportunidade em sua empresa” e meu currículo em anexo. Foi assim que consegui meu primeiro trabalho como desenvolvedor web em 2014, em uma agência web, no centro de São Bernardo do Campo, 1h30min da minha casa. Onde, além de atuar com o que eu queria, ainda conheceria a área de frontend, me apaixonaria e ficaria nisso até hoje.

Finalmente, começando a faculdade

De um trabalho recebendo 900 reais em 2014, para outro recebendo quase 8 vezes esse valor em 2016, em um momento um gerente comentou em uma reunião de feedback de performance: “olha, apesar da sua boa performance, o seu salário está muito alto para quem não tem uma faculdade”. Aquilo me deixou em choque.

Em 2016 eu já participava ativamente das comunidades. Era palestrante, escrevia ativamente no meu blog, tinha criado um grupo chamado Training Center e minha carreira estava indo muito bem. Comprei uma moto e trabalhava em São Paulo, onde os salários são muito mais altos do que a maioria. Em resumo, eu estava muito bem profissionalmente. Mas, mesmo assim, aquele comentário me assustou. Imaginei que, em algum momento, eu poderia ser mandado embora por causa do alto salário e a falta de graduação e que, depois disso, nenhuma empresa iria querer me contratar pagando o mesmo se eu não me formasse.

Foi este o motivo que me levou a buscar um meio de me graduar. Um péssimo motivo.

Pessoalmente eu não tenho capacidade de passar em um vestibular para uma universidade pública, porém já estava ganhando bem para me bancar em uma universidade particular. E foi isso que eu fiz. Para otimizar o meu tempo, comecei uma faculdade a distância, assim eu conseguiria continuar ativo nas comunidades, trabalhar longe e estudar nas horas vagas.

Porém, o motivo pelo qual você entra em uma faculdade faz total diferença no sucesso da sua graduação. Eu não sentia nenhuma vontade de cursar o ensino superior, não conseguia priorizar de verdade os meus estudos. Todo o resto era prioridade, menos as aulas que eu precisava assistir. Se eu tivesse um bom motivo para estar ali, com certeza seria muito mais fácil. E foi por isso que eu parei o curso diversas vezes. Uma graduação que deveria durar 2 anos e meio, demorou 6.

Conclusão

Agora, em 2022, finalizei minha primeira graduação. Cursei análise e desenvolvimento de sistemas. Sinceramente, um curso que eu não deveria nem ter começado, devido aos motivos que me levaram entrar na universidade.

A minha conclusão sobre o meu tempo até aqui é de que eu poderia ter investido minha energia e dinheiro em um curso pré vestibular e cursado algo melhor, como ciências da computação, em uma universidade onde eu poderia me envolver com pesquisa e desenvolvimento, além de só estudar para passar em provas.

Meu objetivo com o ensino superior foi deturpado, assim como o da maioria das pessoas. Achamos que faculdade é para arrumar emprego e isso não é uma verdade absoluta. Existem outras possibilidades depois que você finaliza sua graduação. Você pode seguir um mestrado, doutorado, trabalhar com pesquisa, investir seu tempo evoluindo coisas da indústria que só se vê nas grandes universidades e grandes empresas. Depois de anos nessa área, descobri que até mesmo ir para outro país estudar seria uma possibilidade se eu estivesse em uma grande universidade. Mas isso não me foi apresentado a tempo.

Não, não é necessário cursar uma faculdade para trabalhar em programação. Como falei no começo e nos vídeos que compartilhei, existem diversas maneiras de entrar nessa área. Ainda mais hoje em dia, com tantos bootcamps e cursos rápidos. Ao invés de cursar uma graduação achando que vai garantir algum sucesso profissional (porque não é garantia alguma), poderíamos fazer a faculdade aproveitando o conhecimento teórico que não é tão difundido fora do meio acadêmico.

Existem muitas oportunidades legais em uma universidade, como fazer amizades, participar de projetos de pesquisa, se envolver em artigos científicos com professores e professoras doutores (as), acessar a livros que custam muito caro, acessar equipamentos que não teríamos em casa e mais. Devemos procurar por isso, não entrar lá pensando somente no fim.

Photo by James Wheeler on Unsplash

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