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Como foi minha migração para a Espanha

Como foi minha mudança do Brasil para a Espanha. Vou contar aqui o contexto completo de porque eu decidi me mudar de país, como escolhemos o lugar onde iríamos viver, como foi o processo de visto, mudança (preços e tudo mais) e como estamos hoje. Espero que essa história seja para você inspiradora e realista o suficiente para te ajudar a planejar seu futuro, caso também tenha vontade de se mudar.

Há algum tempo eu tenho vontade de escrever um post sobre como foi a minha mudança do Brasil para a Espanha, porém eu sempre ficava com um pouco de receio devido ao fato desse tipo de conteúdo ser muito diferente do que eu costumo publicar.

Normalmente as pessoas escrevem sobre sair do país para dizer “o quanto sua vida melhorou depois de ir embora do Brasil”, “como o Brasil é um país ruim”, “O PT… O Lula”, “o transporte público”, “a segurança”, blá blá blá… E eu não tenho nenhum interesse em falar mal do Brasil, afinal de contas, é um país maravilhoso, com muitas oportunidades, opções e um lugar onde várias pessoas do mundo tem interesse em morar. Mesmo que você ou alguém que você conheça não concorde com isso, é basicamente a realidade.

A maioria das vezes em que as pessoas falam mal do nosso país, elas estão reduzindo um dos maiores países do mundo em São Paulo, Rio de Janeiro e mais alguns ali do Sudeste e isso sempre me revoltou.

Outra coisa que me bloqueou escrever sobre esse assunto é o fato de que as pessoas têm um senso comum de que quem se mudou do país está muito melhor de vida, ficou rico (ou vai ficar) ou, na nossa área/comunidade, que essa pessoa é melhor do que quem continua no país. Como se todo mundo tivesse as mesmas possibilidades de vida ou pudesse fazer as mesmas escolhas e só não as fizeram por falta de capacidade. Isso não faz sentido algum.

Muito antes de me mudar, eu já tive muito sucesso no Brasil… Trabalhei em ótimas empresas, palestrei em grandes eventos, participei de ótimas comunidades, atuei em grandes projetos, saí da linha da pobreza, ajudei minha família, tive um ótimo salário, publiquei livros, consegui guardar e investir dinheiro, apoiei ONGs, consegui segurança, estabilidade e acesso a opções que milhares de nós não tem. Se isso não é sucesso, eu não sei o que que é.

E foi isso que me possibilitou poder me mudar de país: a estabilidade antes de fazer a escolha. Não foi “ser melhor” do que ninguém, foi o acesso a opções que outras pessoas não tiveram em um bom momento econômico do nosso país e em um momento onde eu tinha o privilégio de arriscar.

Quando alguém faz a escolha de mudar de país, acredite: antes disso muita coisa já estava preparada, seja por ela mesma ou pela família dela.

Porém este texto não é uma viagem profunda e filosófica a respeito de diferenças de oportunidades. Eu só senti a necessidade de fazer essa observação antes de qualquer coisa para que você não pense que este artigo aqui é um discurso de coach motivacional ou coisa do tipo. O que eu quero compartilhar é como foi o processo como um todo.

Eu fui fortemente influenciado pelo meu amigo Lucas Santos, que publicou no seu perfil no Twitter/X como foi a sua migração para a Suécia. Por isso, no final deste artigo, tem também o link para a história que ele publicou.

Vou contar aqui o contexto completo de porque eu decidi me mudar de país, como escolhemos o lugar onde iríamos viver, como foi o processo de visto, mudança (preços e tudo mais) e como estamos hoje. Espero que essa história seja para você inspiradora e realista o suficiente para te ajudar a planejar seu futuro, caso também tenha vontade de se mudar.

Vou deixar alguns links sobre custo de vida e outros detalhes no meio do texto e no final do artigo tem uma tabela com o custo de tudo para o nosso caso.

Um pouco de contexto

Eu nunca pensei em sair do Brasil. Mesmo depois de conseguir uma boa estabilidade financeira, eu nunca tive nem interesse em conhecer outros países… Quando moleque, eu enxergava pessoas que falavam de morar fora como pessoas muito desconectadas da minha realidade (e elas eram… eu era favelado na linha da pobreza e elas eram classe média, mas eu iria descobrir isso só mais tarde). Isso me distanciou desse tipo de interesse. Eu sempre fui mais interessado na história do Brasil do que na história da Europa, na cultura brasileira do Rap Nacional do que no Hip Hop Estadunidense, na beleza do nosso povo do que no branco de olho azul dos filmes da Marvel. Então, não fazia sentido eu pensar em qualquer coisa nessa linha.

Mesmo com vários amigos indo para fora, eu não sentia vontade de acompanhar. Nem mesmo em eventos internacionais eu tinha interesse de ir. Ainda mais que eu consumo tudo no YouTube e conteúdo técnico eu busco em artigos científicos, documentações e postagens de core commiters de projetos de sucesso. Enfim, isso nunca me foi algo interessante.

Porém, eu comecei a me relacionar com uma pessoa que tinha vontade de vir morar na Europa. E é basicamente por isso que eu vim. Não tem nenhuma história de sucesso. Não tem nenhuma empresa fantástica nos chamando para trabalhar aqui ou coisa do tipo. Era basicamente o sonho de uma pessoa que veio de uma realidade igual a minha e hoje, trabalhando como engenheira de software depois de uma migração de carreira, poderia se realizar.

Visto que todos os fatores estavam ao nosso favor, porque não investir nesse sonho dela, não é mesmo?

E foi basicamente por isso que eu me mudei de país. Eu nunca tive raízes em nenhum lugar, afinal de contas a minha infância foi cheia de mudanças de casa, cidade e até de estado, amigos que vinham e que iam muito rápido (alguns que se foram muito cedo), familiares que eu nunca conheci e amores que eu nunca pude viver (graças ao preconceito). Então, como eu me encontro com essa pessoa que me faz tão bem, eu aceitei entrar nessa jornada junto com ela.

Porque escolhemos a Espanha

A decisão de se mudar para a Europa já estava tomada. Agora precisávamos pensar sobre qual país nos seria interessante. Para mim, o maior desafio: o idioma.

Como eu nunca precisei, também nunca estudei devidamente nenhum idioma. Então eu lia e escrevia em inglês (com ajuda do Google Translate), mas não falava. Qualquer país com um idioma muito complicado, como o Alemão, Suéco, Holandês seria muito complicado para o casal.

A companheira já falava inglês, espanhol, um pouco de alemão, um pouco de italiano, um pouco de quase tudo, pois ela sempre gostou muito de aprender outras línguas. Para ela não seria complicado, porém seria um grande problema eu não conseguir arrumar um emprego rapidamente, afinal de contas não temos herança para receber e nenhum familiar poderia nos mandar dinheiro para nos bancar nessa empreitada.

Durante as buscas, colocamos isso como um ponto central. Precisaria ser um país com inglês como idioma principal (ou ao menos muito falado), pois seria onde eu iria investir minhas energias até conseguirmos um emprego que nos patrocinasse o visto.

Confesso que, no começo, nem pensamos nisso. Ela estava aplicando para diversas vagas. O importante era patrocinar o visto, que é a parte mais difícil nesse processo todo. Porém paramos para refletir e chegamos nessa conclusão antes de tomar uma escolha muito drástica.

Chegamos em uma lista de países mais fáceis de morar, que foi:

  • Portugal
  • Itália
  • Espanha
  • Inglaterra
  • Irlanda

Países que falam idiomas que são fáceis para nós (brasileiros) aprender, como Espanha e Itália, e onde daria para viver com o inglês meia boca, como Inglaterra e Irlanda. Ainda estavam no nosso radar a Alemanha e Holanda, focando em Berlim e Amsterdam, onde dá para viver com o Inglês, mas também removemos estes lugares da nossa lista para evitar qualquer dor de cabeça muito grande por não entender algum processo ou mesmo arrumar uma treta no bar com meu inglês aprendido no Tibia.

Enquanto ela fazia várias entrevistas, eu comecei a estudar inglês através de uma mentoria na Mantuá, que me ajudou bastante a me preparar para todo esse processo. Em poucos meses eu me senti confortável para também começar a fazer entrevistas. Com ajuda da mentoria, eu fiz um script para as entrevistas, que será publicado aqui no blog logo logo.

Durante os processos seletivos, ela conversou com as pessoas a respeito do custo de vida dos países, diferença salarial e outros tópicos importantes para nós durante essa mudança. Algo que nos chamou muito a atenção foi a questão do salário.

Dos países em que nós mais recebíamos contato, Portugal e Espanha, o salário de Portugal não estava nada atraente, visto o custo de vida nas cidades onde teríamos que morar (a maioria das vagas para o modelo híbrido) e a Espanha começou a virar nosso foco, pois o custo de vida + salários sendo ofertados estavam mais equilibrados do que em Portugal (ou Itália).

Algo que foi acordado desde o começo do nosso projeto foi: não queremos nos mudar e não poder usufruir dessa mudança. Nós estávamos com um estilo de vida muito confortável no nosso país, não fazia sentido mudar para algo pior.

Portanto a Espanha virou a melhor opção para os nossos objetivos por diversos motivos, como: custo de vida não muito alto, salário médio condizente com o custo de vida na maioria das cidades, possibilidade de viajar para outros países facilmente através de vários aeroportos e até mesmo mais de um aeroporto internacional, facilitando um dos nossos objetivos que é ela me levar para conhecer outras culturas, transporte público de fácil acesso, transporte intermunicipal rápido ou de alta velocidade (várias rodovias conectando várias comunidades autônomas e trem de alta velocidade), amigos vivendo no país (o que faria uma diferença imensa e nem imaginávamos tanto), o clima e a quantidade de imigrantes vivendo no país.

A empolgação foi tão grande que, antes mesmo de eu conseguir finalizar meu script para enfrentar as primeiras entrevistas, a companheira já conseguiu um emprego que iria bancar o processo de visto e auxiliar com as passagens.

Uma maravilha, não?

Não.

Como conseguimos um emprego que patrocinou o visto

Como eu comentei anteriormente, uma das maiores dificuldades quando você vai se mudar de país e não teve acesso a outras possibilidades é a necessidade do visto.

Para residir em outro país, você vai precisar de um visto para garantir sua permanência. No nosso caso, pessoas de engenharia de software, nós temos acesso ao visto de profissionais altamente qualificados na Espanha. Um visto que, além de outras vantagens, possibilita que:

  • uma pessoa tenha o visto de profissionais altamente qualificados e seu companheiro ou companheira e família possam se mudar junto, podendo até mesmo trabalhar
  • o tempo de renovação é de 3 anos, reduzindo dores de cabeça pra gente
  • a pessoa portadora do visto pode trocar de emprego sem perder o visto, basta atualizar seus dados

Lembrando que isso eu estou falando da Espanha. Além do visto de profissionais altamente qualificados, existem outros que você pode conhecer aqui Eurodicas - Vistos de trabalho na Espanha.

Assim que a companheira conseguiu o emprego, já corremos atrás de todas as burocracias. O principal era finalizar o processo das crianças, nossos quatro gatos, que precisam estar tudo dentro das regras ou não poderiam viajar e nem teriam onde ficar, uma vez que não confiamos que nossas mães os devolveriam depois de algum tempo com eles.

Eu gosto sempre de lembrar dessa parte, pois os gatos já estavam prontos para viajar antes mesmo de eu ter meu passaporte. Eu corri atrás de agenda para fazer o passaporte e renovar minha carteira de habilitação, pois estava vencida e seria necessário o documento atualizado para poder transferir para a Espanha.

Nós começamos a estudar sobre o lugar onde iríamos morar. A empresa era um neo-bank alemão com um escritório em Barcelona. É uma companhia muito conhecida por aqui e havia até mesmo começado a operar no Brasil, com seu cartão transparente e as famosas caixinhas para organizar seu orçamento.

No meio desse processo, conhecemos um site bem legal que eu preciso de recomendar, o idealista. Neste site nós conhecemos os bairros, avaliamos preços e, com ajuda deste post sobre custo de vida na Espanha do Eurodicas fizemos uma planilha de orçamento para planejar a nossa vida por aqui.

Tudo muito bom, tudo muito legal. A companheira assinou o contrato, passamos todos os documentos para entrada no visto e ela recebeu acesso ao sistema do RH para adicionar seus dados pessoais e iniciar o onboarding. Algumas semanas depois a empresa cancelou o nosso processo.

Aqui entra algo muito cruel dos processos seletivos e da falta de transparência das empresas: a empresa congelou as contratações, mas para a minha companheira eles disseram que cancelaram o processo dela porque ela é formada em Biologia, não em Computação e por isso não seria possível ela conseguir o visto. O que descobrimos depois que não fazia sentido, afinal de contas eles congelaram as vagas, ela conseguiu outro emprego que seguiu o processo normalmente e ela recebeu o visto.

Isso foi algo muito desanimador para ela. Uma pessoa que fez migração de carreira para trabalhar com programação justamente pelas possibilidades que essa área nos abre, recebendo um grande não por causa de uma decisão que ela tomou a alguns anos atrás de investir num curso diferente. Eu não consigo nem expressar como ela ficou.

Mas isso para mim acabou sendo a fagulha que faltava. Como eu sou um ser impulsionado pelo ódio, eu comecei a aplicar em várias empresas mesmo sem ter a confiança necessária para um processo seletivo em outro idioma e muito menos com conhecimento em inglês suficiente para conseguir me expressar e passar em uma empresa.

Fiz a minha primeira entrevista para uma empresa portuguesa, pois, na minha cabeça, começar com um idioma familiar seria mais fácil para me desbloquear. Doce ilusão a minha… Eu não entendi nada do que o mano portugês falava. Existe uma diferença enorme na velocidade, palavras e ritmo do português de Portugal e o português Brasileiro. Porém essa entrevista me serviu para algo que eu não estava esperando: me desbloqueou o inglês.

Mesmo que a empresa seja portuguesa, aqui normalmente existe um ambiente multicultural onde pessoas de outros países também vão trabalhar contigo. Neste caso, a empresa era uma consultoria que presta serviço para a Holanda e por isso a comunicação com os clientes é toda em inglês. O entrevistador precisava garantir que eu conseguiria me comunicar no idioma. E eu consegui! O que foi impressionante pra mim.

Depois dessa prova de fogo (e de entender melhor o entrevistador falando em inglês do que em português) eu tive a confiança para começar a aplicar para as empresas espanholas.

Eu conversei com várias empresas e, mesmo com 12 anos de TI, 10 anos em programação, livros publicados, vasta experiência na área, conhecimento técnico aprofundado (pelo menos em frontend), mais de 500 textos publicados, experiência com open source e mais um monte de coisas que eu poderia te dizer aqui para enriquecer meu currículo, na entrevista eu era só mais um estrangeiro super qualificado que aceita receber um salário menor do que os nativos para receber o patrocínio do visto, algo extremamente comum aqui na gringa.

O que mais temos por aqui são profissionais extremamente qualificados, que poderiam ganhar muito dinheiro no Brasil, recebendo salário médio e não reclamam, pois tem medo de perder o visto.

Ainda mais com meu inglês em nível intermediário, eu não era ninguém. A minha companheira, com seus quase 4 anos de carreira (naquele momento) era muito mais qualificada do que eu, afinal ela falava fluentemente, se destacava pelo seu conhecimento em algoritmos e estruturas de dados, enquanto eu me destacaria em arquitetura, mas não passava nem pelo processo com o RH.

Apesar de eu também estar desanimando naquele momento, devido a quantidade de nãos, ela se sentiu motivada pelo meu esforço em batalhar por esse sonho e seguir o nosso projeto. Graças a isso, ela logo conseguiu outro emprego (não um, mas mais de um, porém os outros seriam para Portugal).

Dessa vez nós não iríamos criar expectativas. Só iríamos começar o processo do nosso lado a partir do momento em que tivéssemos o visto em mãos. Pois bem, foi aí que descobrimos que realmente a primeira empresa não foi totalmente honesta conosco. Essa segunda empresa continuou o processo normalmente e o visto saiu.

A partir daí foi a correria! Nós nos casamos, pois seria necessário para que eu também recebesse a permissão de residência e trabalho junto com ela, que seria a portadora do visto, corremos atrás dos últimos trâmites para viajar com os gatos, doamos nossos móveis e alguns objetos para amigos e familiares, compramos as passagens e caixas de transporte para as crianças e corremos atrás da parte difícil da vida de quem mora de aluguel nesse momento: alugamos um Airbnb para morar enquanto o nosso antigo apartamento foi reformado para ser devolvido, no meio disso tudo, um caos… cor errada na parede, Airbnb com infiltração, troca de prédio, compra tinta…. Uma loucura!

Mas deu tudo certo e a viagem poderia acontecer.

Naquele momento eu também parei de fazer entrevistas, para focar em melhorar o inglês e voltar a procurar emprego quando chegasse aqui, mas o foco agora era a viagem.

Como foi a saída do Brasil para a Espanha

Para nós, a parte mais complicada, depois de ter entregue o apartamento e se despedido de todo mundo, era o transporte do centro de São Paulo até o Aeroporto Internacional de Guarulhos com 4 gatos, cada um em uma caixinha de transporte e nossas malas (onde estava toda a nossa mudança).

Com ajuda dos familiares da companheira, conseguimos carregar tudo em seus carros e partir para mudança.

Claro que, antes dessa última fase, tivemos mais um problema que foi o CVI (um documento de vacinação internacional necessário para viajar com animais) do Kléber Maurício, nosso gatinho mais velho. Ele é registrado no meu nome e o CVI foi feito no nome da minha companheira, pois cada pessoa só pode levar dois animais no avião. Então ficaram dois no meu nome e dois no nome dela. Porém a Olga, nossa mais nova, foi registrada no nome dela, pois foi ela quem a adotou, os outros três, Kléber Maurício, Geremmyas Eduardo e Kassandra Helenna, estão no meu nome.

No último dia antes da viagem, o CVI de Kléber foi recusado e eu precisei escrever uma carta de autorização para a companheira viajar com ele. A frase marcante de desespero dela que eu consigo me lembrar foi “eu já perdi um gatinho preto, não posso deixar outro pra trás”. Eu ri.

Porém, agora com tudo certo, podemos pegar o avião. Viajamos de noite, em um voo direto para evitar um trauma tão grande pros gatos, afinal de contas seria a primeira vez deles em um avião (e a minha em um voo internacional), não queríamos arriscar algum problema.

Devido ao fato de ter os gatos para embarcar, nós só poderíamos fazer nosso embarque no último momento. Não deu tempo de aproveitar a tal da sala vip. Seria a primeira vez dos dois utilizando esse privilégio da classe média, mas até nisso a gente se lascou.

Antes de embarcar, os animais passam pelo raio-x junto com os donos. Por isso nós tivemos que levar eles até a sala do raio-x, ajudar a pessoa que iria fazer o processo, tirar os gatos de dentro da caixa, esperar com eles no colo (desesperados) e colocar de volta na caixa.

Depois disso podemos nos despedir da nossa família correndo, sem saber quando os vamos encontrar novamente, afinal de contas nem nós, nem eles tem dinheiro para se encontrar todo ano. Com aquele aperto no peito de ver a cara da minha mãe fingindo ser forte sem chorar ou expressar nenhuma emoção, corremos para o embarque pra comer um lanche rapidamente antes da viagem, afinal já estávamos no aeroporto faziam várias horas e a fome começou a apertar. Ainda bem que deu tempo de comer um lanchinho, pois eu já chegaria na Espanha puto da vida.

Como foi a chegada na Espanha e locação de um imóvel

A chegada na Espanha não poderia ter sido mais tranquila. Lembra que eu comentei sobre os amigos que moram no país?

Um amigo que mora em Portugal me conectou com outra pessoa na Espanha, que se dispôs a tirar um dia no trabalho para nos receber no aeroporto e nos ajudar na chegada até o Airbnb que alugamos para passar o primeiro mês até conseguir uma casa.

Essa pessoa, que pra gente se tornou um santo para o qual nós oramos agradecendo suas benfeitorias, nos pagou o Uber para levar a mudança, nos ajudou a descarregar tudo, nos levou para conhecer a região onde iríamos ficar os primeiros dias e ainda nos deu várias dicas de moradia na Espanha.

Na chegada, ficamos em um bairro muito legal em Madrid chamado Chueca. Escolhemos o lugar devido às avaliações positivas e ser considerado o bairro mais LGBT de Madrid. Na nossa opinião, seria bom duas pessoas bissexuais conhecerem a comunidade LGBT assim que chegassem. E foi uma ótima escolha, realmente. Pagamos um pouco mais caro pela localização, porém a experiência foi muito boa. É uma região muito central, o escritório da companheira ficava a poucos minutos da hospedagem e tínhamos acesso a várias linhas de metrô que usamos muito na procura por um apartamento.

A procura por um imóvel não foi nada fácil (pra variar, mais um desafio). Quando você chega em um país como imigrante, não importa seu visto ou contrato de trabalho, você não tem score de crédito e nem confiança do povo local. Logo, ninguém queria alugar apartamento para uma mulher que havia acabado de começar a trabalhar no emprego novo na Espanha. O período de experiência por aqui é de seis meses, e as pessoas são muito demitidas durante esse período. Não é seguro para o dono do imóvel alugar para alguém novo na quebrada.

Mais uma vez nosso amigo estava aqui para nos salvar, afinal de contas eu não falava espanhol e somente a minha companheira estava agendando as visitas. Para não depender somente dela, contamos com a sua ajuda para que eu pudesse visitar apartamentos enquanto a companheira estava no trabalho.

Alugamos o Airbnb por um mês, acreditando que seria rápido conseguir um imóvel. Engano nosso.

Com o tempo percebemos que seria mais difícil conseguir um imóvel do que acreditamos. Começamos a pesquisar alternativas, uma delas seria o Spotahome, que é um serviço muito parecido com Airbnb, porém para longa data. Nem com essa ferramenta seria fácil, pois até mesmo as pessoas que colocam seus imóveis para alugar nesta ferramenta querem as mesmas garantias de quem aluga no idealista. Ou seja: as opções estavam se esgotando… Teríamos que gastar nossa reserva de emergência em outro Airbnb.

Por muita sorte, na última semana de Airbnb, uma corretora imobiliária que gosta do Brasil fez um esforço por nós. Ela conversou com os donos do apartamento e chegamos a uma possibilidade: caso tivéssemos um avalista, eles aceitariam fechar contrato conosco.

Veio nosso santo nos salvar novamente. Nosso amigo foi nosso avalista e conseguimos fechar o contrato no último momento possível.

Com mais uma ajuda da corretora, nós conseguimos pegar as chaves do apartamento antes da data prevista, que seriam algumas semanas mais para frente, pois o apartamento não estava reformado. Porém, por conta de estar com os gatos, seria melhor pra gente nos mudar o mais rápido possível.

O dia da mudança foi muito divertido (pra mim). A companheira alugou um carro com um bagageiro grande para conseguirmos colocar as caixas dos gatos e fazer a logística. Uma curiosidade interessante: tivemos que alugar um carro elétrico, pois no dia e horário em que iríamos fazer a mudança não é permitido carro a combustão de não moradores na região do centro de Madrid onde estávamos.

Em uma viagem levamos os gatos, em outra viagem levamos algumas malas, em outra viagem levamos mais malas, na última viagem levamos o resto de nossos pertences. Depois disso nós aproveitamos o carro para fazer a nossa primeira compra e também comprar os itens necessários para os primeiros dias, como colchões, cobertores, etc.

Algo que eu não contei antes porque faria mais sentido dizer agora: quando chegamos e nos estabelecemos eu voltei a fazer entrevistas. Uma das empresas para a qual eu estava concorrendo eu conheceria nesse dia, pois eles não tem escritório no Brasil.

É uma grande empresa internacional de móveis que eu só vi em filmes, mas tive a oportunidade de gastar parte do dinheiro que guardamos para a mudança comprando nossos objetos lá. Como é um lugar com preços muito baixos, já ficamos de olho também na cama e outros móveis que seriam importantes para nossa casinha.

Gastamos um dinheirão lá, algumas semanas depois eu passei no processo seletivo e descobri que funcionários têm desconto nos produtos. Um misto de vontade de morrer por ter gastado meu suado dinheirinho em euros que comprei com reais e a felicidade de ter conseguido o primeiro emprego na Europa.

Como meu inglês ainda não era tão bom, nesse dia eu só entendi a parte do “you’re in” e “I’ll send you the job offer”. Isso mesmo família… Eu aceitei o emprego sem saber qual era minha posição, o time, a unidade de negócios… Só sabia quem seria meu gerente.

Apesar de todo sufoco, em um mês fizemos novos amigos, conseguimos um apartamento, eu consegui um emprego e agora a vida começaria a caminhar. Certo?

Errado.

Como a vida do imigrante não pode ser fácil, já veio outra treta: agora que eu tenho emprego, como vou receber o dinheiro?

Eu precisava de uma conta bancária espanhola para receber, porém antes não tinha endereço para abrir uma conta. Agora eu não tinha um ID, que é equivalente ao nosso CPF, para abrir uma conta. Todo sufoco pra pobre em ascensão é pouco.

As burocracias de um país Europeu (ou de qualquer país quando você é imigrante)

Existem algumas burocracias que nós não conhecemos quando somos nativos de um país e passamos a conhecer durante a migração para outro lugar.

Só para exemplificar como é na Espanha:

  • Ao chegar na Espanha, nós temos um tempo para fazer o empadronamiento, um processo que informa para o governo que realmente estamos morando em algum lugar
  • Para fazer o empadronamiento, você precisa de um contrato de aluguel
  • Para alugar um imóvel, você precisa de um contrato de trabalho com tempo indefinido (um emprego onde você pode ficar por muitos anos), entre três a seis meses de aluguel para o calção, um mês de aluguel adiantado para poder se mudar e um dono de imóvel que aceite fazer o contrato com alguém no período de experiência (o que é bem raro)
  • Para ter uma conta em um banco, você precisa do seu ID
  • Para fazer sua carteirinha de saúde e usar a saúde pública, você precisa do empadronamiento e do seu ID
  • Para fazer o ID, você precisa fazer o empadronamiento
  • Para empadronar, você precisa de um contrato de aluguel, que é muito difícil para alguém que acabou de chegar no país
  • Repete…

É como um ciclo feito para te ferrar, mas é basicamente a desconfiança humana e o capitalismo funcionando. Se você tiver muito dinheiro para alugar um apartamento caro, normalmente o dono do imóvel possui outras maneiras de garantir a segurança do contrato e vai querer conversar com você. No nosso caso, a maioria nem mesmo queria nos receber para fazer uma visita, quanto mais fechar um contrato.

Graças a essa desconfiança e burocracia toda, eu não tinha meu ID, logo eu não conseguia abrir uma conta em banco. Por consequência, eu não poderia fechar um contrato de trabalho.

Como hoje existem as contas digitais, pra mim poderia ser uma possibilidade, uma vez que dá para abrir essas contas com o passaporte.

Eu tentei nos maiores bancos da Espanha, como Santander e BBVA. No BBVA precisa ir até a agência para abrir uma conta digital (???) se for com o passaporte. Fomos até uma agência e pedimos ajuda para um gestor, que escaneou meus documentos e basicamente não fez nada. Alguns dias depois eu recebi uma ligação perguntando porque eu ainda não finalizei meu cadastro no banco, sendo que seria só levar o passaporte para um gerente escanear. Eu comentei que havia feito esse processo e a pessoa me informou que não existia nenhum registro no sistema. Ou seja, assim como em qualquer lugar, o atendimento bancário aqui é terrível.

Por sorte eu me lembrava daquele neo-bank que traumatizou minha companheira. Eles possuem o processo totalmente digital e poderia funcionar. Instalei o app e fiz meu cadastro. Com o número de conta em mãos, agora eu poderia começar a trabalhar.

O ID? Demorou quatro meses para conseguirmos um agendamento para coleta das digitais e poder fazer nosso documento.

O empadronamiento foi um pouco mais rápido, se bem me recordo, conseguimos com um mês.

Agora o nosso problema é outro: para transferir nossa carteira de motorista pra cá vai demorar mais uns quatro meses, sendo que já estamos aqui há sete meses (no momento em que escrevo este texto).

Além disso, ainda precisamos tirar um certificado digital para conseguir fazer a nossa declaração de imposto de renda e qualquer outra coisa relacionada ao governo sem precisar sair de casa, cada vez que tentamos agendar, fica para mais longe ainda.

Tudo por aqui você precisa agendar uma data e essas datas são bem distantes. Porém seguimos lutando.

Processos que precisamos realizar antes de sair do Brasil

Como um casal com quatro gatos, precisamos realizar os seguintes processos no Brasil:

CasalPessoalAnimaisEmpresa
Certidão de nascimento atualizadaEu precisei renovar minha CNHCaixinhas de transportePedido de permissão de residência
CasamentoEu precisei tirar o passaporteMicrochipagem
Atualizar as vacinasVacinação contra raiva
Carteirinha internacional com registro da febre amarelaSorologia
Cancelar serviços que não utilizamos maisAtestado de saúde
Comparecer ao consulado espanhol com a permissão de residência para solicitar o vistoCVI (certificado de vacinação internacional)
Caixinha de areia de viagem
Passagens de avião

Processos que precisamos realizar na Espanha

Na Espanha precisamos realizar os seguintes processos:

CasalPessoalAnimaisEmpresa
Alugar um imóvelArrumar um empregoSerem fofinhos pra gente não se arrepender do custo que foi trazer elesNão mandar a companheira embora
EmpadronamientoAbrir uma conta em um banco espanhol
Fazer o cartão de transporte públicoNão ser mandado embora
Fazer o ID
Fazer a carteirinha de saúde
Transferir a CNH

Quanto custou tudo isso

O custo da mudança foi muito alto, pois tivemos que reformar apartamentos e teve o processo dos gatos, além de contratarmos consultorias para nos ajudar por medo de fazer algo errado e ter que gastar ainda mais, mas aqui tem uma tabela de quanto foi cada parte (mais ou menos):

TítuloValor
Casamento+ ou - 480
Multa do contrato de aluguelR$ 1825,00
Reforma do apartamentoR$ 5.180,00
Airbnb SP 1 (aquele que entrou água)R$ 350,00 (cancelamos no primeiro dia)
Airbnb SP 2R$ 5.500,00
Passagens 2 adultos voo diretoR$ 10.920,00
Caixinhas dos gatosR$ 2.525,00
MalasR$ 2.155,00
Consultoria para ajudar com o processo de visto no BrasilR$ 5.060,00
Consultoria para ajudar com os tramites dos gatosR$ 1.700,00
Airbnb MadridR$ 13.920,00
Passagens dos gatosR$ 1.510,00

Como está nosso custo de vida em Madrid

Os custos abaixo são de um casal de adultos, trabalhando no modelo híbrido, morando em uma região central da cidade de Madrid com 4 gatos e estilo de vida moderado (gastamos com lazer, mas não tanto com bens de consumo):

TítuloValor
Aluguel€ 1.100,00
Compras do mês€ 200/300
Compras semanal€ 60/70
Gatos (mensal)€ 80
Plano de saúde (casal)€ 120
Eletricidade€ 50 no verão 120 no inverno
Internet e celular (fibra 1GB, 4/5G e ligações sem limites)€ 60
Água€ 0 (condomínio)
Aquecimento€ 0 (condomínio)
Gás€ 0 (não tem no prédio)
Transporte público€ 57 por pessoa para usar o mês inteiro
Lazer€ 200

Como juntamos dinheiro no Brasil e a Beckham Law na Espanha

Como você vê, o nosso aluguel atual é de 1100 euros, o que significa que precisamos juntar 7 vezes esse valor para conseguir alugar um imóvel (6 meses de calção, 1 mês para entrar no imóvel). Fora o dinheiro que usamos para comprar os móveis para a casa (mesas de escritório, cadeiras de escritório, sofá, cama, guarda roupas, rack, cômoda), a televisão e alguns itens de cozinha que deram, ao todo, 3 mil euros. Ainda temos um dinheiro que juntamos para uma possível emergência, em volta de 14 mil euros.

Ou seja, em moeda europeia, tivemos que juntar quase 25 mil euros para ter uma tranquilidade maior. Mas poderíamos vir sem os 14 mil de reserva de emergência, claro.

Para juntar esse dinheiro, nós compramos euros todos os meses. Não vale a pena comprar tudo de uma vez, porque não vai ter um momento bom para você pegar o melhor preço possível, a não ser que você tenha poderes de prever o futuro. Caso você não seja um mutante, assim como nós não somos, é bom comprar a moeda estrangeira todos os meses e aproveitar a flutuação do câmbio, garantindo uma economia (nem que seja mínima) quando atingir o valor total que deseja juntar.

Nós utilizamos a Wise para comprar os euros, pois foi o que encontramos com a menor taxa de câmbio possível.

Transferir da Wise para a nossa conta na Espanha também não tem dificuldade alguma, mas você tem que ficar esperto(a) com relação a alguma possível taxa de imposto dependendo de como estiver a sua situação no país.

Nós fizemos a Beckham Law, uma lei que ajuda imigrantes a juntar um dinheirinho quando chega no país, pois limita o nosso imposto de renda e evita taxas sobre nosso patrimônio e investimentos fora da Espanha (bi tributação).

Caso não tivéssemos feito o processo para a Beckham Law, o imposto de renda seria o seguinte (2024):

  • Até 12.450 euros: 19%
  • De 12.450 a 20.200 euros: 24%
  • De 20.200 a 35.200 euros: 30%
  • De 35.200 a 60.000 euros: 37%
  • Acima de 60.000 euros: 45%

Os valores são o rendimento anual da pessoa.

Com essa lei, nós pagamos 24% de imposto de renda durante 5 anos.

Sites utilizados para o planejamento e mudança

Como estamos hoje

Bom, o primeiro emprego da companheira não foi uma experiência muito legal. Por isso ela precisou sair.

Quando você pede demissão do emprego, como profissional altamente qualificado, possui 90 dias para conseguir outro emprego. Caso não consiga, corre o risco de perder sua permissão de residência.

Em nosso caso, a minha empresa entrou com o pedido de visto pra mim para inverter nossa situação: antes ela era a portadora do visto e eu estava com o visto de agrupamento familiar, agora eu tenho o visto de profissionais altamente qualificados e ela entra como agrupamento familiar.

Isso foi bom, para que a companheira tivesse um pouco de paz durante os processos seletivos em que estava participando.

Como eu te falei durante esse texto, ela é uma pessoa extremamente capacitada, mas tanto eu quanto ela temos TDAH e Ansiedade Generalizada, então imagine como ficou a cabeça dessa mulher durante esse processo todo.

Agora está tudo bem. Já estamos passeando, vamos visitar uma cidade para ver a neve (eu vou ver isso pela primeira vez). Estamos estabilizados e ela já conseguiu um novo emprego, agora na Amazon.


Lucas Santos - Meu custo de vida em Estocolmo, Suécia

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